Decidi publicar este texto, em vez de o deixar nos comentários, porque o acho demasiado bonito para ficar em "Background"...
Os meus agradecimentos á Maria Eduarda a autora deste texto. José Farinha
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AMIZADE
(Umas palavras, algumas lágrimas)
Nunca soube entender porque Alge me parece diferente das outras aldeias que tenho conhecido ao longo da minha vida. Mesmo quando se trata de outras aldeias da Serra da Lousã.
É a alma. Estou quase certa que é a alma!...
(ou então Pessoa tinha razão: o rio da minha aldeia é o mais belo do mundo, porque é o rio da minha aldeia)
Quando o meu bisavô apicultor se dirigia por carta à sua madrinha, Senhora Viscondessa do Espinhal, acervo que com muita honra herdei; quando as histórias que fui aprendendo dos mais velhos, me transportavam a uma sociedade verdadeiramente matriarcal; quando, nos meus acessos de “antes quebrar que torcer” o meu Pai me chamava “Tia Joaquina”, eu sempre pensei que essa alma de Alge estava presente, se perpetuava de alguma forma e a minha alma feminina enchia-se de orgulho.
Quando a minha avó me contava que por altura das festas da Rainha Santa, em Coimbra, o povo se dirigia para o cabeço de Miranda para ver as luzes da cidade e rezar em silêncio, fiquei certa que os meus pés de choupo algum dia iriam enraizar por esses lados. Hoje, com sessenta anos, trabalho no Choupal e sei que é ali o meu lugar. Alge fica perto, posso dar lá um salto sempre que sinto necessidade. E quantas vezes a sinto! Apesar dos reveses que as minhas origens nesta terra me trouxeram, foram muitos os momentos felizes que vivi ali na minha juventude.
Seremos umas dezenas de “velhotes” entre os sessenta e os setenta anos que, na nossa juventude por ali andámos. De férias, os que viviam longe, laborando a terra, os que por lá se mantiveram até partirem para as cidades em busca de uma vida melhor.
Alguns partiram de vez. Estão por lá, não sabemos bem onde, mas fazem parte de nós, do nosso corpo “algense” da nossa alma serrana.
Os filhos e os netos desta geração, pouco saberão destas vidas mas era bom que lhes fosse transmitido o que de bom tivemos na nossa juventude: o som das concertinas (único, neste Portugal descaracterizado), as desfolhadas, a apanha da azeitona, os “bichos e as bicharadas que não deixam cá nada”, o sabor e o aroma do mel a escorrer dos favos ainda tenros, a aguardente a pingar do alambique, quente, deliciosa, o vinho a ferver nas dornas de madeira, a voz alta do pastor que nos despertava diariamente:”botem’no gado”, aqueles momentos únicos do Espírito Santo a percorrer a aldeia…
E, as outras coisas piores: a guerra, que levava para longe os nossos homens ainda meninos e aquele arrepio imenso de os ver partir, as “guerras” da água de rega que punha as mulheres a gritar noite afora por o corte antecipado, os características figuras da aldeia que, pelo álcool, morreram cedo mas que nos proporcionaram entretenimento… (sabem? naquele tempo não havia televisão, era com a prata da casa que nos distraíamos…). Ao domingo, as mulheres mais velhas reuniam-se num canto da eira, em roda e, ali, as notícias chegavam todas, ninguém escapava! Aos mais novos não era permitido assistir. Era uma espécie de conselho feminino da aldeia. Nas segundas-feiras, sem apelo, rebentavam todos os escândalos. Coisas pequenas, dir-se-à agora. Mas, naquele tempo, ninguém queira saber os sustos que levávamos!
Na hora do correio, ficava tudo junto na loja do Sr. Manel: ele ia chamando as pessoas pelo endereço. Mas, quando havia carta de namoros indesejados pelos pais, fazia-se silêncio e a missiva ia para debaixo do balcão. Estava tudo estragado para alguma das cachopas…
Dizemos hoje: tempos felizes, esses! Não sei. A verdade é que a juventude ultrapassa todas as amarguras e, mais tarde, os verdes anos se transformam em algo maravilhoso.
Há tempo, partiu um querido amigo do meu grupo de férias, o Fernando Simões. O silêncio fica perturbador nessas alturas, mas as palavras também escasseiam. É um pouco da nossa juventude que parte.
Hoje, recebi a notícia que mais um amigo tinha partido. Por coincidência, tinha o mesmo nome.
Eram ambos muito divertidos e ambos belíssimos, como todos os jovens são. A amiga Deolinda, mulher igualmente bela, sempre sorridente e pacificadora, também nos deixou há algum tempo.
Quantos somos hoje? Por onde andamos?
E que tal irmos todos no dia 12 de Julho ao Encontro dos Povos Serranos no Santo António da Neve? Mas que ninguém esqueça o farnel e a camisolinha preta!
(parafraseando os nossos irmãos transmontanos: para lá do Pisão, mandam os que por lá estão).
Alge, Pé-de-Janeiro, Carvalhos, Pé-de-Ingote, Singrais, Cearas.
Presentes?
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